Merlino e o 30.º Congresso da UNE

Quem é ela? 

Luiz Eduardo Merlino (assinado como Eduardo da Rocha e Silva)

 

Que é a União Nacional dos Estudantes?

     Se os delegados do DOPS estiverem com a razão, a UNE não mais existe. Ela é José Dirceu, ela é Vladimir Palmeira, ela é Luiz Travassos: ela está presa no DOPS ou nas celas úmidas do presídio Tiradentes. Para os policiais a UNE se resume nestas lideranças (ou na “minoria de agitadores”, como pregam os discursos oficiais). São estes líderes os responsáveis pelas grandes passeatas, pelas grandes assembleias, pelas lutas dentro das escolas. São eles os “agitadores”. O resto, na melhor das hipóteses, são os “inocentes úteis”.

     Se os policiais estiverem com a razão não vai haver mais problemas para o governo: acabou a “agitação”. Estão no DOPS e no presídio Tiradentes 720 líderes estudantis de todo o país e, pelo menos, os principais, devem ficar na cadeia por mais tempo.

Mas será que os policiais estão com a razão?

Foto ilustração sobre imagem do Arquivo em Imagens, Última Hora, 1997.

     Na terça-feira, quando os delegados eleitos em todos os Estados já estavam chegando em Ibiúna, três mil estudantes gritavam nas ruas de São Paulo: A UNE somos nós. Foi uma passeata mal organizada. As lideranças estavam mais preocupadas com a preparação do Congresso do que com o protesto nas ruas. A “segurança” já estava em Ibiúna, ou então no CRUSP esperando uma invasão do CCC. Mas houve discursos, houve resposta à repressão e os estudantes acabaram conseguindo o que queriam: aplausos do povo. E gritavam: A UNE somos nós.

     Assim mesmo esta é apenas uma parte do problema, é apenas uma manifestação de rua. E se a UNE é um conjunto de estudantes não é aí, nestas manifestações, que ela começa. A União Nacional dos Estudantes começa nas salas de aula com os problemas que os estudantes enfrentam numa Universidade em crise. Ali eles começam a brigar (ou a fazer “agitação”, como querem os homens da Polícia). Encontram uma Universidade cheia de falhas, sem verbas, sem vagas, sem professores. Sabem que o governo quer mudar esta Universidade para uma outra que seja paga e que atenda aos interesses do “desenvolvimento nacional”, ou seja, que forme técnicos em grande quantidade para as indústrias.

     É aí que a UNE começa a existir, denunciando os planos de reforma universitária feitos em conjunto com técnicos americanos (MEC-USAID), e explorando cada aspecto negativo da política educacional do governo. Começa a agir, também, organizando os estudantes e controlando os grêmios das faculdades. Daí para as manifestações de rua é só um passo: basta apenas que surjam as oportunidades. E estas oportunidades o governo está sempre dando com a repressão aos estudantes, ou com a inabilidade do seu ministro da Educação.

     E tem mais: com o aumento da crise na Universidade as manifestações começam a surgir dentro dela. Escolas são tomadas pelos estudantes que exigem participação paritária na direção. E a UNE está aí nestas brigas. Seus diretórios falam de Universidade Crítica, de Universidade Democrática, de Universidade Popular, ou, simplesmente, de Reestruturação, conforme suas posições políticas (a diretoria da UNE não tem unidade política). Os seus diretores estão nas ocupações de faculdades, nas lutas por mais vagas, por mais verbas, nas manifestações políticas. Para os homens da Polícia toda esta movimentação acontece por causa deles. São elas que as provocam, que “comandam a agitação”.

Mas será que os policiais estão com a razão?

     José Dirceu, por exemplo, presidente da UEE de São Paulo, pode dar razões à Polícia. Os policiais que fazem com que os estudantes se manifestem vão acabar?

     Enquanto eles não acabarem os policiais podem ficar certos de uma coisa: a UNE não vai deixar de existir.

     No dia seguinte da prisão dos estudantes que participavam do Congresso, da prisão da “minoria de agitadores”, duas mil pessoas se reuniram numa assembleia na Cidade Universitária. Foi ontem, num domingo, num local onde só se pode ir de carro, numa época de pouca frequência às aulas. Mas lá os estudantes já estavam prometendo reestruturar a UNE, formar uma nova diretoria. Lá já estavam aparecendo novos líderes, novos Dirceus, novos Palmeiras.

E lá já se planejava uma passeata para esta semana.

     Depois das passeatas virão as lutas dentro das escolas. Podem começar por causa de um mau professor, de um restaurante ruim, de um currículo inadequado. Começarão dentro das salas de aula e a UNE vai estar lá. É por isso que os estudantes gritavam na terça-feira “A UNE SOMOS NÓS” e dizem que a União Nacional dos Estudantes não vai acabar.

Eduardo da Rocha e Silva

 


Universidade Crítica

O Movimento Universidade Crítica, formado por universitários ligados a Edson Soares (ex-vice-presidente da UNE) lançou ontem um manifesto dirigido “A todos os estudantes”.

   – “A repressão policial ao Congresso da UNE, interrompido com a prisão de todos os delegados representantes das diversas faculdades, exige dos universitários e de todos os combatentes contra a ditadura uma resposta à altura. Para isso é preciso medir onde estavam os erros, quais os fatores que precisam ser vencidos para permitir um novo avanço da luta. A importância que a reação dá à UNE é sinal de que a UNE tem sobre os ombros uma responsabilidade que não permite mais improvisações e espontaneísmo.”

A invasão do Congresso

   “Era um dos maiores Congressos da história da União Nacional dos Estudantes. Era um Congresso representativo não apenas pelo grande número de delegados, mas também pela forma como tinha sido conduzido: intensa participação das bases, delegados eleitos em todas as principais faculdades do país, realização vitoriosa dos Congressos regionais preparatórios. Era um Congresso que em teses fundamentais a respeito da participação dos estudantes na luta dos trabalhadores da cidade e do campo eram debatidas amplamente. Por tudo isto era um Congresso que a ditadura temia e precisava destruir. Na manhã de sábado passado as metralhadoras da ditadura burguesa-latifundiária tomaram de assalto o sítio de Ibiúna em que mais de 700 estudantes realizavam a fase final do 30º Congresso da UNE. De imediato a reação entrou em plena euforia, desde o mais boçal tira do DOPS até os sofisticados generais da Escola Superior de Guerra, sem esquecer os ‘liberais’ da ARENA e o demagogo Abreu Sodré. Eles tinham uma razão para alegrar-se: a UNE é mais do que um espectro a ameaçar os privilegiados. Integrando-se na luta dos trabalhadores, ela cumpre um papel importante hoje na revolução brasileira. Mas essa alegria é curta. Eles estão começando um erro muito comum naqueles que desconhecem o processo histórico: pensam que sua vitória parcial e momentânea é definitiva. Eles pensaram o mesmo em 64. Eles descobrirão o erro mais depressa do que poderiam sonhar.”

As causas da derrota parcial

   “De 64 para cá o movimento estudantil vem ganhando cada vez mais consequência. Com a repressão sistemática os estudantes foram obrigados pela necessidade a aprimorar continuamente suas formas de luta. Por isso inclusive este ano uma expressão como “esquema de segurança” entrou até no linguajar comum não só de milhares de estudantes como até da imprensa burguesa. Mas, à medida em que aprimoramos nossos métodos de luta, a ditadura burguesa-latifundiária também aprimora os seus, através de um contínuo estudo de nossas formas de luta e da atividade dos ‘experts’ norte-americanos, gendarmes da reação mundial”.

   “Os grandes erros de segurança cometidos na realização deste Congresso revelam como o movimento estudantil ainda está em atraso. Necessitamos de abandonar as formas de luta que se caracterizam pelo amadorismo na maneira de enfrentar as questões organizatórias. O movimento estudantil – como toda a oposição consequente a este regime – é um movimento de massa que enfrenta a repressão sistemática: por isso as atividades clandestinas e semiclandestinas têm que ser utilizadas seriamente desde as bases até suas direções. Isso não quer dizer separar a segurança das questões políticas; a segurança e todas as questões organizatórias são questões políticas. Mas isso não significa que ‘podemos confiar na massa’ e que não precisamos cuidar da organização. Pelo contrário: a luta exige que enfrentemos com tanto afinco a questão dos meios – a organização – quanto a questão dos fins – os objetivos políticos. Desprezar a segurança, a autodefesa contra a repressão, é não enfrentar a ditadura, é ficar no mero protesto pequeno-burguês”

    “Nesse Congresso a segurança falhou desde a questão de determinar seus objetivos até verificar os meios para um plano de fuga que ao menos diminuísse a ação dos policiais. Segurança não significa apenas escolher um lugar escondido mas também prever a solução dos problemas de transporte, pontos, alimentação, etc. Enfim, a soma de tantos erros (pequenos e grandes) permitiu à reação essa vitória parcial. Mas a guerra é feita de mil batalhas e mil batalhas ainda se travarão. Se soubermos aprender desta derrota, com a queda de nossos companheiros, transformaremos a derrota em começo de vitória, em novo avanço, no início de uma nova etapa em nossa caminhada”.

O que fazer: greve

    “Os burgueses estão sorrindo. Pensam que a UNE foi esmagada, esquecem-se que a UNE SOMOS NÓS, milhares e milhares de universitários de todas as escolas do país. Em todas as salas de aula, em todas escolas, em todas as cidades, formaremos Comitês de Defesa da UNE, para lutar pela libertação dos colegas presos pela conclusão do 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes, pelo avanço geral da organização e da luta. Ao mesmo tempo (…) conclamamos os estudantes à greve de protesto contra a prisão dos nossos colegas congressistas, pela libertação de todos e realização do Congresso. Essa greve deve ser tirada onde [for] possível. Ao lado disso, todas as outras formas de luta devem ser usadas – panfletagem, pichamentos, comícios-relâmpagos, ocupação de escolas, etc. Apelamos ainda para a organização de Comitês de Solidariedade à UNE, com a participação de intelectuais, artistas, secundaristas, professores, profissionais liberais, etc. À classe operária, que dá sentido à nossa luta, nós nos dirigiremos reforçando os laços que se reforçarão cada vez mais o movimento que derrubará o regime opressor. Que as nossas ações em todo o país mostrem a verdadeira força da UNE e preparem um novo avanço”.

(Trechos do Manifesto do Movimento Universidade Crítica)