Merlino e o 30.º Congresso da UNE

Um defunto que não morreu 

Luiz Eduardo Merlino (texto publicado sem assinatura)

A UNE é um defunto que não morre. Em 1964 o governo disse que ela não mais existia: estava na ilegalidade, tinha virado ex-UNE.

Mas um ano depois ela estava de volta com o presidente e diretores eleitos. Agora dizem que ela morreu de novo mas os estudantes falam: a UNE somos nós.

     “Em 1964, o governo acendeu as velas, contratou as carpideiras e preparou o funeral da UNE. O velório teve um único defeito: o defunto recusou-se a morrer. Nos tanques de Castelo e Costa e Silva estava todo o roteiro do enterro: prisão das lideranças estudantis, cremação da sede da UNE pelos policiais do DOPS, substituição da entidade por marionetes do novo governo. O enterro deveria ser nacional; da UNE não deveriam ficar vestígio em todo o país. O aparato funeral foi tão assustador que a UNE ficou paralisada durante meses. Perdeu completamente o controle do seu imenso organismo, que na época de Jango Goulart havia se estendido por todo o país e vivia até com dinheiro do governo.”

Fonte: Arquivo em Imagens, Última Hora, 1967

     Esse trecho é de uma publicação da UEE de São Paulo, deste ano, e concentra a história da União Nacional dos Estudantes. Desde sua fundação, em 1937, por Getúlio Vargas, até 1964 ela foi entidade financiada pelo governo e ligada a ele. Sua representatividade como entidade dos estudantes até 64 nunca foi grande. O golpe que sofreu com a extinção, deixou a UNE desarticulada por alguns meses, até que em 1965 foi organizado, já na clandestinidade, um congresso nacional dos estudantes, marcado para Belo Horizonte. A repressão foi violenta. Para conseguir terminar o congresso, alguns estudantes foram obrigados a se vestirem de padres. O congresso se realizava no convento dos Franciscanos. Ao mesmo tempo que lutava para se manter, por causa da ilegalidade, a UNE tinha que lutar contra sua própria tradição de entidade de cúpula. E na batalha que travou contra a Lei Suplicy, que extinguia todas as entidades do movimento estudantil, e colocava outras em seu lugar, saiu vitoriosa. O Diretório Nacional dos Estudantes, que deveria ser o substituto da UNE, ficou na ficção. Parecia que a ilegalidade tinha dado muito mais força à UNE, ela capitalizava todas as lutas reivindicatórias dos estudantes. Os congressos de cada ano eram a síntese das lutas estudantis e a definição das lutas que viriam.

     Esses congressos sempre tiveram na dificuldade de sua realização a característica comum. Essa dificuldade culminou com o Congresso deste ano, quando ele nem chegou a ser realizado. O que causou espanto à própria Policia, foi a facilidade com que os estudantes se deixaram prender, e as imprudências que cometeram. Apesar de no Conselho Nacional dos Estudantes, realizado em maio na Bahia, ter ficado aprovado, que por questões de segurança o congresso seria preparado por uma executiva nacional, especialmente formada para esse fim, no do ano passado as precauções parecem ter sido maiores.

     Quando a Polícia foi ao convento dos beneditinos, em Vinhedo, depois que o congresso do ano passado já tinha acabado, encontrou entre outros papéis um comunicado da comissão de segurança, que dizia o seguinte:“1) Quando pelo pátio, não ultrapassar os limites da propriedade. 2) As luzes externas devem ser apagadas às 22 horas. 3) A partir das 22 horas as luzes internas ficarão sob o controle da comissão. 4) Os participantes deverão deixar os locais externos antes do apagar das luzes. 5) A partir do encerramento dos trabalhos os participantes devem procurar não falar em voz alta. 6) O uso de bebida alcoólica fica totalmente proibido. 7) A comissão de segurança requisitará e determinará os colegas que farão rondas noturnas e diurnas. 8) As saídas do local estão terminantemente proibidas. Os casos excepcionais serão examinados e discutidos pela comissão. 9) Após o término do congresso a retirada dos colegas seguirá a mesma ordem de entrada. 10) As turmas serão inflexivelmente determinadas pela comissão. 11) Aconselha-se a todos a não identificação. Quando se dirigir a outra pessoa use a determinação colega ou companheiro.

Na cidade de Vinhedo ninguém ficou sabendo de nada. O próprio delegado de Policia levou o maior susto quando soube que na sua cidade tinha se realizado o congresso da UNE. E o DOPS tinha entre estudantes um informante, mas o esquema de segurança impediu que ele pudesse passar qualquer informação antes do congresso acabar.

Fonte: Folha da Tarde, 14/10/1968

Fonte: Arquivo em Imagens, Última hora, 1997