POC-Combate

Angela Mendes de Almeida

     Fundado em abril de 1968, o POC (Partido Operário Comunista) foi o resultado da fusão entre a POLOP (sigla de Política Operária) e a Dissidência Leninista do Partido Comunista Brasileiro (PCB) no Rio Grande do Sul, que aderiu à base programática condensada no “Programa Socialista para o Brasil”. Esse programa da POLOP, adotado formalmente em congresso apenas em 1967, já havia orientado as posições de seus militantes desde a fundação da organização, em 1961, no debate ideológico que nesses primeiros anos os opunha sobretudo ao PCB (Partido Comunista Brasileiro, nesse período diretamente marcado pela influência soviética) e às correntes originárias do catolicismo de esquerda que deram origem à AP (Ação Popular).

Fonte: Fotogramas extraídos do filme “Mourir à trente ans” (1982). Diretor: Romain Goupil.

     O eixo principal desse debate opunha as posições da POLOP às teses “reformistas” do PCB e à sua teoria da “revolução por etapas”, pela qual nosso país se encontraria na fase da revolução democrático-burguesa e, portanto, de alianças com um pretenso setor “anti-imperialista” da burguesia nacional, o mesmo que em seguida articularia o golpe de 1964 contra as forças progressistas.

     A POLOP foi, no Brasil, uma verdadeira escola de quadros. A sua contribuição principal talvez tenha sido incentivar o estudo da cultura marxista, com leituras de textos no original, e também a elaboração de uma política tendo em conta os dados concretos da história e da realidade brasileiras. Em virtude disso era a única organização que propunha o caráter socialista da revolução brasileira e a centralidade objetiva e programática da classe operária, então minoritária na população brasileira. Ao contrário, a maioria das outras organizações defendia uma luta pela libertação nacional ou uma democracia popular.

     Mas relendo hoje o “Programa Socialista para o Brasil”, é possível perceber uma série de lacunas importantes. Adotando como modelo a revolução russa de 1917, tendo como líder ideológico fundamental Lenin e propondo uma militância internacionalista, a POLOP tinha uma visão crítica bem moderada a respeito da União Soviética. A sua degeneração era descrita apenas como um vício devido ao “controle burocrático” e o stalinismo não era mencionado. Por outro lado, na parte em que analisava a conjuntura mundial, o texto encaminhava para a concepção de dois “campos” entre os quais havia que escolher um, que seria o “campo socialista” composto pela União Soviética e os países seus satélites na Europa de leste, China, Cuba, Vietnã, e etc. Nessas condições, entre os militantes da POLOP havia os que eram sensíveis às denúncias do caráter totalitário do stalinismo e os que ignoravam a degeneração da revolução russa e defendiam o “campo socialista” mesmo na invasão da Tchecoslovaquia pelas tropas russas.

     Durante o ano de 1967, todas as correntes de esquerda no Brasil foram galvanizadas por uma série de fatos políticos entre os quais as notícias das discussões havidas na Reunião da OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade), realizada em Cuba, em 1966, à qual estiveram presentes muitos brasileiros; a palavra de ordem levantada por Che Guevara, de “criar um, dois, três, muitos Vietnãs” e a própria guerra do Vietnã; a divulgação de teses foquistas através do livro de Regis Debray, Revolução na revolução, que pretendia estar teorizando a experiência cubana; e a divulgação da linha teórica maoísta. Aliado a isto a tomada de consciência sobre o fracasso que havia sido a impotência dos setores populares diante do golpe militar de 1964 e da política pecebista de aliança com a “burguesia progressista” não apenas incrementou a militância de esquerda, como também um reagrupamento dessas correntes. No que concerne à POLOP, uma cisão importante levou militantes dispostos a iniciar imediatamente a luta armada para a VPR e a COLINA. Foi nesse contexto de cisões e fusões, fruto de amplas discussões dentro de cada organização e entre elas, que a ala da POLOP que continuava a defender o “Programa Socialista para o Brasil” aproximou-se da Dissidência Leninista do PCB do Rio Grande do Sul, formando o POC.

 

     Foi portanto a herança da POLOP que guiou a atuação do POC no ano crucial da revolução brasileira e mundial, 1968. Foi a partir dessas ideias e da atuação no movimento estudantil que foi elaborada a tese da Universidade Crítica, na qual se criticava os primeiros passos da ditadura para colocar a universidade a serviço do mercado capitalista. Com essas posições os militantes atuaram no movimento estudantil, em vários estados do Brasil e com presença na UNE, sobretudo no 30º Congresso, realizado em Ibiúna, em outubro de 1968. Foi também com estas bases programáticas que o POC procurou ampliar seus contatos no movimento operário, tendo participado da famosa Greve de Osasco, em 1968.

     A situação da militância se alterou completamente depois do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, que trouxe o refluxo do movimento de massas e o endurecimento espantoso da repressão. Os anteriores espaços físicos de sociabilidade da esquerda, onde se davam as discussões e os contatos, que eram sobretudo as universidades, desapareceram. A vida militante ficou restrita aos “aparelhos” e aos “pontos”, todos utilizados segundo regras estritas de clandestinidade. Ao mesmo tempo os militantes tomavam conhecimento das “quedas” de companheiros de outras organizações e das torturas bárbaras. Muitos tiveram que entrar para a clandestinidade, que tem um “preço”: dinheiro para deslocamentos e novos “aparelhos”, documentos falsos para sobreviver, mais medo e mais desânimo.

     Dentro do POC e na discussão e convivência com outras organizações que praticavam a luta armada amadureceu a idéia de incluí-la em nossa prática, sem abandonar o trabalho das células operárias e estudantis, como uma auto-defesa dos militantes e como uma familiarização de todos com a violência revolucionária, sem que a tarefa ficasse apenas com a nossa “célula especial”. A discussão interna sobre estas posições, entre 1969 e 1970, levou à cisão de uma parte minoritária, porém significativa, de companheiros, que consideraram estar havendo uma “traição” ao “Programa Socialista para o Brasil”. Encarando-o com um texto completo, sem necessidade de integrar os novos dados da situação concreta, esta minoria voltou a adotar o nome de POLOP, levando dois dirigentes dos mais antigos e importantes, Ernesto Martins e Eder Sader.

     O POC continuou as suas atividades (agora sob o nome de POC-Combate), no movimento estudantil e no movimento operário, prejudicado pela dura e asfixiante repressão, ao mesmo tempo em que ampliava suas relações com algumas organizações armadas que, justamente nesse momento, eram vítimas de dura repressão. O clima de 1970 era angustiante: parecia a muitos que a luta, além de árdua, não teria nenhum fruto. Impressionados por esse clima, onde havia até certo derrotismo, e tentando contrapor-se a ele, alguns militantes, renovando suas raízes antistalinistas, procuraram desenvolver contatos internacionais que lhes ampliassem o horizonte asfixiante dos acontecimentos no Brasil e dessem ao partido uma dimensão histórica da luta revolucionária. Foi assim que nasceram, no segundo semestre de 1970, os primeiros contatos com a Quarta Internacional (Secretariado Unificado), liderada naquele momento por Ernest Mandel, Pierre Frank (ex-secretário de Trotsky) e Livio Maitan, todos já falecidos, e tendo como principal organização, a Liga Comunista francesa, de Alain Krivine e Daniel Bensaïd (já falecido). Desses contatos brotou a adesão à Quarta Internacional e a elaboração de cinco teses: “Por uma revisão da estratégia de guerra revolucionária”, “Questões de organização e programa para o movimento operário”, “Sobre a construção do partido leninista de combate”, “O que é o PCB” e “Teses sobre o ABC”, publicadas em Combate nº 1, em 1971, no Chile.

Fonte: Fotogramas extraídos do filme “Mourir à trente ans” (1982). Diretor: Romain Goupil.

     Mas ao mesmo tempo em que estas sementes frutificadoras de uma militância mais consciente e mais ampla eram forjadas, a repressão, que varria todas as organizações da extrema-esquerda (poupando, naquela fase, o PCB), acabou atingindo também o POC, em meados de 1971. Dezenas de militantes e simpatizantes foram presos, sobretudo em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Luiz Eduardo da Rocha Merlino, torturado brutalmente no pau-de-arara do DOI-CODI de São Paulo, durante 24 horas seguidas, e abandonado depois em uma solitária, terminou por morrer de gangrena das pernas.

     Entre os militantes que se salvaram da repressão, alguns se embrenharam em outros lugares do Brasil, com nomes falsos, apesar de condenados e perseguidos, e muitos buscaram o exílio, sobretudo no Chile, onde já havia grande quantidade de militantes de outras organizações. Lá, entre os companheiros que estavam na Argentina e no Chile, oriundos do Brasil ou recrutados no Chile, nos organizamos como POC-Combate, ligados à Quarta Internacional. Um núcleo, na Argentina, se integrou à militância no PRT-ERP (Partido Revolucionario de los Trabajadores-Ejercito Revolucionario del Pueblo), que então era a seção argentina da Quarta Internacional. O outro núcleo, no Chile, se organizava para a reinserção no Brasil e militava em organizações trotskistas locais. Em várias ocasiões enviou militantes ao Brasil para estudar as condições de reinserção e em 1973 conseguiu que alguns militantes voltassem permanentemente.

     A partir de março de 1973, quando ficou clara a possibilidade de um golpe militar no Chile, o núcleo que estava lá, movido por um sentimento internacionalista, decidiu ficar e colaborar caso houvesse uma resistência. Não foi possível: lá também não houve resistência organizada e o nosso militante Nelson de Souza Kohl foi assassinado pelos esbirros de Pinochet, tendo sido preso e “desaparecido” em 15 de setembro, quatro dias depois do golpe.

     A partir de 1973, depois do golpe, alguns militantes do núcleo do Chile que tinham ido para a Europa como exilados das embaixadas, voltaram para militar na Argentina e perseguir ainda a meta de reinstalação no Brasil. Por outro lado um grupo de militantes argentinos, decidindo-se por uma opção mais clara e decidida pela Quarta Internacional, deixaram o PRT para fundar a Fracción Roja (Fração Vermelha), em 1973. Dentro dessa organização, mantendo o contato e a solidariedade prática com o núcleo do Brasil, militantes brasileiros do POC-Combate atuaram durante o período de repressão do governo de Isabelita Perón e da terrorista “Três A – Aliança Anticomunista Argentina” – na fase cruel de preparação da ditadura militar que viria a tomar o poder em 23 de março de 1976. Em maio de 1975, essa repressão, que já havia golpeado duramente as organizações da extrema-esquerda, armadas ou não, atingiu a Fracción Roja, com a prisão de cerca de duas dezenas de militantes, inclusive três brasileiros, que juntamente com os argentinos, foram barbaramente torturados e posteriormente processados, permanecendo presos devido à Lei do “Estado de sítio”.

     De 1975 em diante, os militantes do POC Combate, espalhados pelo mundo, nas prisões argentinas, na militância dificultosa no Brasil, no exílio por diversos países europeus e latino-americanos, desarticularam-se politicamente, muitos deles preferindo atuar na organização da Quarta Internacional do país em que viviam. Mantiveram no entanto laços de solidariedade pessoal, sobretudo entre argentinos e brasileiros.

setembro de 2013

 

 

 

Nota Liga Comunista